Ultimamente, a jornalista da TVI Ana Leal, conhecida pelas suas grandes reportagens, tem sido duramente criticada por muitos portugueses.
Um jovem chegou mesmo a escrever uma carta aberta à repórter, com um ponto de vista diferente, que rapidamente se tornou viral nas redes sociais:
“Cara jornalista. Esteve recentemente debaixo dos holofotes da discussão nacional. Ainda há poucos dias trouxe a público novas provas e testemunhos adicionais à sua reportagem sobre a gestão dos fundos angariados para a reconstrução das habitações destruídas no incêndio de Pedrógão Grande, em 2017. A reportagem foi considerada pelo presidente do município repleta de acusações “graves e difamatórias”.
A mulher que acusam de difamadora foi já processada por José Sócrates depois de divulgar uma gravação no caso Freeport durante o “Jornal Nacional” apresentado por Manuela Moura Guedes. José Sócrates acusou-a de divulgar afirmações “completamente falsas, inventadas e injuriosas”.
A mulher que acusam de mentirosa foi, em 2017, autora de uma reportagem onde denunciou a gestão danosa de uma IPSS com um orçamento de quase 3 milhões de euros (grande parte dinheiro público ou doações) direcionado para o suporte de crianças com doenças raras. A presidente da “Raríssimas”, Paula Brito e Costa, abusava dos subsídios em dezenas de milhares de euros para despesas pessoais. Usava o dinheiro da associação sem fins lucrativos para deslocações fictícias, compra de vestidos de alta-costura e gastos pessoais em supermercados. Quando a realidade foi transmitida para todo o país, a (agora) ex direção da associação acusou-a de “insidiosa” e de usar informação “fora do contexto”. Declararam também, como desculpa, que “para o exercício da função de representação institucional da Instituição, é essencial uma imagem adequada da sua representante”. Não tiveram vergonha defender que a presidente de uma IPSS precisa de subsídios para a compra de marisco e vinhos caros, vestidos, viagens ou carros de luxo que não utilizará em serviço.
Embora a sua reportagem tenha conduzido à destituição de Paula Costa, é publico que ainda continua a receber rendimentos da associação. Diz muito do país em que vivemos.
Em abril deste ano, a mulher que alguns acusam de traiçoeira fez uma reportagem onde provou que o incêndio no histórico Pinhal de Leiria foi planeado um mês antes da tragédia. Na reportagem alertou para os milhões de toneladas em madeira queimada vendidos. As vendas renderam 1,5 milhões de euros ao Estado. Provou que vários madeireiros, entre donos de grandes empresas e donos de fábricas que compram e vendem madeira, estiveram reunidos numa cave de um restaurante, para planearem o incêndio. Essas reuniões secretas serviram também para acordar os preços da madeira.
Provocou a demissão de Carlos Liberato Batista da presidência da ADSE mesmo antes da reportagem que fez ser pública. Era responsável por vários desvios de dinheiro e favorecimento de empresas por si contratadas quando esteve à frente da associação de cuidados de saúde da Portugal Telecom. Trouxe a público provas do favorecimento judicial do ex-presidente de Angola, com o arquivamento de processos. Reportou o favorecimento pela câmara municipal de Lisboa na exploração de espaços comerciais, embora os regulamentos ditassem o contrário. Provou que o governo já tinha conhecimento das falhas do SIRESP mesmo antes de este ter falhado nos incêndios de 2017. Provou a forma desumana como idosos e utentes com deficiências eram tratados no famoso “lar de Alijó”. Havia uma utente que tinha sido violada por funcionários.
Muito mais fez nestes últimos dois anos e na última década, mas há quem insista em não reconhecer a sua importância. Eu reconheço a sua importância e é por isso que lhe escrevo esta carta.
Valdemar Alves, presidente da câmara municipal de Pedrógão Grande, prometeu então apresentar uma queixa contra a TVI pelo ataque que, nas palavras do seu comunicado, para além de denegrir a sua imagem, afetou a sua “vice-presidente e os funcionários camarários, em particular” e colocou “em causa o bom nome dos pedroguenses, em geral”.
Podem acusá-la de mentirosa. Podem acusá-la de difamadora. Podem até mesmo processá-la. Acusações têm sempre muitas, imensas, mas respostas nem tanto. Quem verdadeiramente envergonhou os pedroguenses foram aqueles que usaram o seu poder institucional para reconstruir 32 casas de amigos (centenas de milhares de euros aplicados em cada uma), irmãos e colegas, em vez de apoiarem quem realmente precisava. A verdadeira vergonha foi o presidente que durante a entrevista inteira deu sempre “não ter conhecimento” como resposta a todas as perguntas. A verdadeira vergonha é o individuo, eleito para assumir responsabilidades, que nem sabe quanto dinheiro resta num fundo de reabilitação que coordena. A verdadeira vergonha foi a Vice-presidente que se recusou até mesmo a provar se reencaminhou ou não um mero e-mail. A verdadeira vergonha está no vereador que foge das perguntas, nem mostra a cara.
Por isso cara Ana Leal, posso-lhe garantir que a mim não me envergonha. Fazem da jornalista a criminosa, mas as “mentiras” que transforma em reportagens acabam sempre por impactar o país e desmascarar quem realmente se mascara. Foi uma das jornalistas que desmascarou José Sócrates. Foi a jornalista que desmascarou o abuso numa IPSS. Foi a jornalista que desmascarou a máfia do fogo. Foi a Jornalista demitiu o presidente da ADSE. Foi a jornalista que em todas as reportagens que fez bateu o pé ao poder instalado. O mesmo poder instalado que em 2013 a tentou suspender da TVI, tal como fizeram com Manuela Moura Guedes. É a prova de que o jornalismo português não está morto.
Tenho dito.”